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RESUMO

Este artigo tem como propósito investigar as relações existentes entre o consumo sistemático do chá ayahuasca em contexto religioso e o bem-estar dos indivíduos que o consomem. Por meio de pesquisa bibliográfica, explicou-se o que é ayahuasca; verificou-se seu uso entre os povos indígenas e os grupos religiosos mais expressivos – a Barquinha, a União do Vegetal e o Santo Daime; e, enfim, enumerou-se um rol de benefícios proporcionado pela bebida, ou seja, autoconhecimento, tratamento da dependência, domínio de si e do ambiente, e melhoramento nas relações sociais. Dessa forma, compreendeu-se que o uso da ayahuasca em contexto religioso pode levar o indivíduo a uma qualidade de vida melhor e a uma interação mais equilibrada com o planeta.

Chá Ayahuasca no contexto religioso

INTRODUÇÃO

Desde os primórdios da humanidade, o homem tem buscado a sua religação com o Criador. Rituais têm sido realizados desde as mais remotas eras na tentativa de obter resultados nessa busca incansável pela aproximação com o divino, o sagrado, a espiritualidade.

Nessa linha de pensamento, Felipe (2015) declara que a utilização de substâncias psicotrópicas sempre seguiu a humanidade e que o conhecimento acerca de plantas enteógenas[3] vem crescendo e que estas, até então restritas ao uso milenar e tradicional, afastam-se da floresta e ganham espaço na sociedade contemporânea, tendo sua utilização associada ao aprimoramento do indivíduo como um todo e no tratamento de doenças.

Nesse sentido, Mundim (2016) afirma que nas entranhas da floresta tropical Amazônica na América do Sul há um segredo, o qual permaneceu escondido do mundo por milhares de anos. Só há pouco tempo, tal segredo escapou da selva e começou a impactar de modo significativo a vida de um crescente número de pessoas por toda a Terra. Esse mistério tem transformado profundamente a vida da maioria das pessoas que o experimentam e algumas delas creem que têm potencial para mudar o mundo.

Esse autor assevera que o nome desse segredo é Ayahuasca, o qual se pronuncia aya-uaska, que é a denominação dada a uma sagrada planta medicinal que se origina na floresta Amazônica, local onde tem sido usada por milhares de anos pela população indígena local. A palavra Ayahuasca deriva-se de duas palavras Quechua[4]: Aya, que significa espírito ancestral da pessoa morta, e Huasca, que significa vinho ou corda. Assim, Ayahuasca é muitas vezes conhecida como “vinho da alma” ou “vinho da morte”.

O autor supracitado assegura que a história da Ayahuasca é relativamente desconhecida uma vez que não há registros escritos da região Amazônica depois da invasão espanhola. Tudo o que há são vários mitos e tradições boca-a-boca passados pelas gerações. Todavia, um cálice foi encontrado no Equador e se acredita que este tem mais de 2.500 anos e contém traços de Ayahuasca. É sabido que essa bebida é usada em muitos países da América do Sul inclusive Brasil, Equador, Venezuela, Colômbia, Peru e Bolívia, e por, no mínimo, 70 diferentes tribos indígenas das Américas.

Este artigo tem como objetivo geral: Investigar as relações existentes entre o consumo sistemático do chá ayahuasca em contexto religioso e o bem-estar dos indivíduos que o consomem.

1. O QUE É AYAHUASCA

Pereira Júnior (2014) afirma que a ayahuasca é um chá cuja composição é obtida a partir da junção de dois vegetais amazônicos, sendo um da espécie, Banisteriopsis caapi, mais conhecido como cipó mariri ou jagube e o outro componente, a folha de um arbusto, psicotria viridis, chamada chacrona, que ao passar por um processo de decocção, resulta em uma bebida qualificada como um psicoativo rico em dimetiltriptamina[5] e beta-carbolinas; e que possui ação direta sobre o sistema serotonérgico[6].

Neurotransmissores (2010) afirmam que o DMT (dimetiltriptamina) é um forte alucinógeno, tendo ação agonista aos receptores de serotonina. Contudo, quando existe ingestão via oral, o DMT é inativado pela enzima MAO (monoaminaoxidase). Mas, as beta-carbolinas contidas no Ayahuasca são potentes inibidoras da MAO, deixando que haja alta na atividade do DMT. Ademais, as beta-carbolinas ampliam os níveis de serotonina, dopamina, norepinefrina e epinefrina no cérebro.

Para os autores acima citados, dessa forma, a beta-carbolina atua como inibidor da recaptação do receptor de serotonina e inibidora da MAO. Deste modo, “a beta-carbolina prolonga a vida do DMT por bloquear sua recaptação. Por outro lado, a beta-carbolina pode bloquear a recaptação neural da serotonina, resultando em altos níveis desse neurotransmissor na fenda sináptica” (s/p).

Pereira Júnior (2014) ressalta que a preparação desse chá não ocorre simplesmente com a junção das plantas mariri e chacrona, uma vez que existe todo um ritual que antecede o momento do cozimento do mesmo e, na maioria das vezes, para a realização de todo o processo são gastos vários dias. Isso acontece desde a colheita dessas plantas acompanhada de um cuidado especial, até chegar o momento da decocção (fervura), para que, desse modo, o trabalho inteiro seja concluído.

Para Fabiano (2012), o uso da ayahuasca nas sessões religiosas é muito eficaz no que se refere ao esclarecimento da realidade espiritual, pois trabalha com o sentimento e a memória das pessoas, possibilitando que gravem e compreendam os ensinos e as revelações que lhes são passados. A razão não é bastante para a percepção da realidade espiritual; o sentimento é fundamental. “Unidos, intelecto e coração clareiam a consciência. O vegetal promove essa unidade” (p.146).

2. USOS DA AYAHUASCA

Oliveira (2010) afirma que muitos grupos indígenas e alguns movimentos religiosos utilizam a bebida ayahuasca em alguns de seus rituais.

2.1 POVOS INDÍGENAS

Oliveira (2010) destaca três grupos linguísticos que ingerem ayahuasca entre os povos indígenas: Pano, Aruák e Tukano.

2.1.1 PANO

Entre os Kaxinawá, a bebida é reconhecida como nixi pae. Sua ingestão possibilita o contato com a realidade mais sutil, que não aparece no cotidiano. Para esses indígenas, dessa forma é possível compreender o espírito que permeia toda a natureza, assim como a equidade entre todos os seres e os humanos. Tal visão confirma a concepção de que o homem faz parte da natureza, e de que a espiritualidade a permeia por completo. O nixi pae ainda é responsável pela preparação para a morte, além de dar força para a luta espiritual. O uso é feito de forma ritual, e as mulheres não ingerem a bebida.

Para os Maburo, a bebida é reconhecida como oni. Eles a relacionam com as origens do mundo e dos seres. Tal bebida é conhecida como o elo entre o mundo dos vivos e dos mortos ou mundo dos espíritos.

Os Yaminawá imaginam a pessoa em três partes: o corpo, a consciência e o espírito. O shori, nome dado à bebida, possibilita o acesso ao mundo espiritual. Por meio dele, “são presenciados os mitos e adquiridos os poderes que criaram as coisas” (p. 6). O canto xamânico está inteiramente ligado ao shori, o qual possibilita aos espíritos cantar através do xamã.

Os Sharanawa, que reconhecem a ayahuasca pelo termo ondi, notam uma ligação entre sonhos e as visões geradas pela bebida. Igualmente como é feito um contato com o mundo espiritual por meio dos sonhos, isso também é possível em estado de vigília.

2.1.2 ARUÁK

Entre os Ashaninka, o nome dado à ayahuasca é kamarampi, sendo ligado à noção de imortalidade. Os mitos descrevem as formas de utilizá-lo, e através deles indicam as restrições que devem ser observadas para o uso correto. No entendimento dos Ashaninka,

Os espíritos nascem no mundo ordinário disfarçados de animais e vegetais, e de fenômenos naturais. Com o uso da bebida, é possível ver a sua forma verdadeira. A bebida é a fonte de poder do xamã, e é ela o que possibilita ver os espíritos como realmente são: humanos (OLIVEIRA, 2010, p. 7).

Para os Piro, o kamarampi apresenta o mundo real que os seres poderosos ocultam atrás do mundo ordinário. Sua utilização está ligada à prevenção de mortes, ao conhecimento alcançado através dos espíritos, à eternidade ou vida eterna e a limpeza do corpo e prevenção de doenças.

Para os Machinguenga, o uso do kamarampi induz à separação da alma e do corpo. Os bons espíritos são observados como pássaros na realidade ordinária, mas aparecem como pequenos homens quando se toma o kamarampi.

2.1.3 TUKANO

Entre os Airo-pai, a ayahuasca se chama yagé. Seu uso é tido como indispensável para o contato com os espíritos. Para eles, há dois lados da realidade: o mundo ordinário e o mundo dos espíritos e monstros. Para contatar o mundo dos espíritos, é necessário um tipo de visão especial. Tal visão é dada pelo yagé. O canto tem neste grupo um papel crucial, sendo a maneira de orquestrar e estruturar visões culturalmente exclusivas para cada um dos participantes da sessão.

Para os Airo-pai, o mênstruo e o yagé devem ser mantidos sempre distantes, e as mulheres menstruadas não podem pegar em nada que será usado ou engolido pelos homens, especialmente os que tomaram yagé. Este tem, para eles, também, grande relação com o crescimento das plantas e com os ciclos agrícolas, sendo as canções do yagé tomadas como palavras das próprias plantas.

Já para os Makuna, o kahi ide, nome dado à ayahuasca está ligado à origem da sociedade e, unido a outros bens culturais, é o que imputa a própria humanidade ao homem. Sua utilização está conexa à cura e à prevenção de doenças, e, ainda tem papel no contato com os ancestrais. Ademais, oferece as visões que guiarão o espírito depois da morte.

Entre os Cubeo, o canto e as visões ligam o mundo humano e o não humano. Eles apreciam o aspecto físico do mihi, a bebida, sobre o corpo.

Os Barasana, que comparam os efeitos da bebida aos da morte, veem o he okekoa, a ayahuasca, como “o leite dos ancestrais”:

Já entre os Desana, a ayahuasca, reconhecida como gahpi, supre o transporte dos homens, que são os únicos a tomá-la, a um lugar em que entram em contato com seres espirituais e heróis de sua mitologia. O mito de criação e vários outros mitos extraordinários têm o gahpi como um dos elementos centrais.

Os Siona, tal como os Airo-pai, dividem a realidade em duas: o mundo que se vê e o mundo invisível. Em seu entendimento, a realidade ordinária é afetada pelas forças invisíveis, tanto para o bem como para o mal. Faz-se necessário acostumar-se com estas forças, e tentar influenciá-las. Tal trabalho é realizado pelo xamã, e a habilidade é pega com o uso contínuo do iko, a ayahuasca. A bebida não é de uso exclusivo do xamã, podendo ser tomada por toda a comunidade. Os xamãs, entretanto, possuem a liderança nos caminhos xamânicos e os novatos se expõem a vários perigos. Eles acompanham o xamã no conhecimento que advém do contato com os seres espirituais, os quais são acessados através da bebida. Dessa forma, vão aprendendo sobre o mundo invisível.

Os Tatuyo acreditam que o capi, nome dado à ayahuasca, leva o indivíduo às origens do mundo. Tal mundo, em que o Sol residia anteriormente, faz contraste com o mundo da realidade ordinária.

2.2 GRUPOS RELIGIOSOS

Segundo Goulart (1996), foi a partir de 1920 e 1930 que nasceram as chamadas religiões ayahuasqueiras, como a Barquinha, a União do Vegetal – UDV e o Santo Daime. Estas estão alastradas por todo o território nacional, não se limitando somente aos locais de origem, estando presentes em outros países como a Holanda, a Espanha, a França, o Japão, a Itália e os Estados Unidos.

2.2.1 A BARQUINHA

Segundo Mercante (2015), a Barquinha foi fundada em 1945 pelo negro maranhense, Daniel Pereira de Matos, que nasceu em 1888 e foi grumete da Marinha. Ao sair da corporação como sargento, fixou-se em Rio Branco como barbeiro. Em meados da década de 1930, Daniel ficou doente do fígado e foi auxiliado por seu amigo e também maranhense Raimundo Irineu Serra, fundador do Santo Daime.

Esse autor afirma que Daniel começou a seguir os trabalhos espirituais de Irineu. Depois de algum tempo teve uma visão revelatória de anjos que desciam do céu trazendo-lhe um livro. Tal visão é a recomendação utilizada por Irineu para incentivar Daniel a dar início ao próprio trabalho espiritual. Em 1945 Daniel recebeu um terreno dentro de um antigo seringal, no que atualmente é o bairro da Vila Ivonete, e Irineu lhe forneceu o Daime, que é o nome da ayahuasca nestas tradições. Assim, se iniciou a Barquinha.

O autor acima assevera que, em 1957, Francisca Campos do Nascimento, pouco depois do nascimento de sua terceira filha, procurou o auxílio de Daniel para tentar resolver um problema de saúde. Ela tinha o corpo coberto de feridas, e os médicos não conseguiam diagnosticar e nem tratar o problema. Daniel passou a tratar dona Francisca, que prometeu que, se ficasse curada, consagraria sua vida à doutrina de Daniel.

Em 1958 Daniel morreu, mas Francisca, cumprindo sua promessa, segue até os dias de hoje dentro da Barquinha. Em 1991 ela saiu do centro original da Barquinha e abriu sua própria igreja, o “Centro Espírita Obras de Caridade Príncipe Espadarte”. Tal príncipe é o espírito de um encanto, um ser espiritual que possui mais de uma forma: no mar ele é um peixe-espada, o “Príncipe Espadarte”; na terra, o “Soldado Guerreiro Dom Simeão”. Os encantos ou encantados são cultuados em todo o Norte e Nordeste do Brasil, em várias religiões que têm influência afro e indígena (mercante, 2015).

2.2.2 A UNIÃO DO VEGETAL

Seraguza e Gimenez Filho (2008) afirmam que a União do Vegetal é na atualidade a maior, no que se refere ao número de adeptos, e mais organizada das instituições religiosas que usam a ayahuasca. Esta foi constituída em 22 de julho de 1961 por José Gabriel da Costa.

Esses autores afirmam que o extrativismo da borracha, após seu período de boom, entre 1890 e 1912, e de sua época de declínio devido à concorrência no mercado internacional da borracha extraída na Ásia, passou por uma nova época de ascensão no período de 1943 a 1947, por causa da Segunda Guerra Mundial e da natural demanda por matérias-primas supridoras da produção bélica dos países aliados. Com a assinatura de acordos com os Estados Unidos, o governo brasileiro começou uma grande campanha de recrutamento de trabalhadores, especialmente nordestinos, para a extração de látex no Norte. Junto a outras medidas governamentais com o objetivo de atender essa demanda de látex por parte dos países aliados, criou-se o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia – SEMTA, que apenas no ano de 1943 conduziu 13 mil pessoas ao norte do país, conforme dados oficiais. Estima-se que aproximadamente 55 mil nordestinos pegaram um navio para o Norte e transformaram, de um dia para o outro, suas vidas.

Depois de trabalhar um período no seringal, José Gabriel mudou-se para Porto Velho onde trabalhou como servidor público na função de enfermeiro no Hospital São José, em Porto Velho – RO. Seu Gabriel atendia pessoas em seu lar, onde jogava búzios. Posteriormente, tornou-se Ogã[7] e Pai de Terreiro no Centro de Umbanda de São Benedito – RO, de Mãe Chica Macaxeira (SERAGUZA E GIMENEZ FILHO, 2008).

Os autores supracitados asseveram que até 1950 José Gabriel viveu com sua família em Porto Velho, onde além de trabalhar como enfermeiro, possuía uma taberna. Ele também gostava de política. E, porque seu candidato tinha perdido as eleições do Território de Guaporé – RO, foi perseguido em seu emprego público no hospital, sendo obrigado a se afastar do trabalho. Naquele momento José Gabriel voltou para o seringal, indo para a região de Vila Plácido de Castro, próxima a Rio Branco no estado do Acre. Foi nessa situação que José Gabriel da Costa ouviu falar de um chá misterioso que era consumido por curandeiros da região. Tempos após, no dia 1° de abril de 1959 no seringal Guarapari, região fronteiriça da Bolívia com o Acre, ele bebeu pela primeira vez a ayahuasca fornecida por um seringueiro chamado Chico Lourenço (SERAGUZA E GIMENEZ FILHO, 2008).

No campo dessa religião, o nome União do Vegetal se refere tanto à religião em si, como à união dos dois vegetais ingredientes da ayahuasca, sendo tal bebida apreciada como Oasca (Hoasca), ou ainda Vegetal. De modo semelhante ao que ocorreu na religião do Santo Daime, depois da morte do líder e fundador da União do Vegetal, Senhor José Gabriel Costa, sucederam cisões no tronco da religião, outros dois grupos apareceram se autodenominando como União do Vegetal, sendo eles: A União do Vegetal, cujo chefe é o Senhor Augusto Queixada e cuja sede fica em Porto Velho – RO; e o Centro Espiritual Beneficente União do Vegetal, com sede em Campinas – SP, cujo chefe e fundador é o Senhor Joaquim José de Andrade Neto (SERAGUZA E GIMENEZ FILHO, 2008).

 Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento

Rita Barreto de Sales Oliveira; Renilda Gonçalves do Amaral. Ayahuasca: Um Caminho para o Equilíbrio. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 01, Vol. 09, pp 724-738, Outubro / Novembro de 2016. ISSN:2448-0959, Link de acesso: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/ciencia-da-religiao/caminho-para-o-equilibrio, DOI: 10.32749/nucleodoconhecimento.com.br/ciencia-da-religiao/caminho-para-o-equilibrio

Janise

Olá! meu nome é Janise, criadora da Witch's Garden, terapeuta holística, atuante nas áreas de Constelação Familiar, Hipnoterapia e Reiki Usui. Também sou cartomante e oraculista a mais de 15 anos com comprovação do exercício pleno da profissão. A manifestação da minha mediunidade começou na infância, e seu florescer na adolescência, quando tive meu primeiro contato com os oráculos; desenvolvi ademais a canalização entre outros.

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